6 lições que aprendi com o livro Vida Líquida de Zygmunt Bauman

Gabriel Mesquita
6 min readAug 19, 2020

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Zygmunt Bauman (1925–2017) foi um sociólogo polonês que desenvolveu o conceito de que o tempo em que vivemos atualmente, chamado de “modernidade líquida”, é caracterizado por ter relações (sociais, econômicas, etc) frágeis e maleáveis como os líquidos.

O livro “Vida líquida” foi publicado em 2005 após “Modernidade líquida” e “Amor líquido”. Nele, Bauman explicita problemas causados pelo sistema capitalista em que vivemos.

Embora o livro já tenha mais de 15 anos desde a sua primeira publicação, minha impressão foi do livro ter sido escrito pouco antes da pandemia de COVID-19. É incrível como os problemas abordados por Bauman continuam atuais, mesmo depois desse tempo todo. Entretanto, no contexto de isolamento social que estamos vivendo, passamos por mudanças abruptas, onde tivemos que nos adaptar a muitas mudanças num curto espaço de tempo.

A seguir, vou colocar os principais aprendizados e lições que eu tive com esse livro, bem como as minhas percepções com a leitura.

1. Estabilidade não existe

Logo no início do livro, Bauman diz que, numa sociedade líquido-moderna, as realizações individuais não podem se solidificar, pois do dia para a noite tudo pode mudar: “ativos se transformam em passivos, e as capacidades, em incapacidade”.

Imagino que isso não seja uma novidade para você, mas já parou para perceber o quanto as coisas mudaram num espaço tão curto de tempo? Pense em como o mundo era em 2010 e como ele é hoje. Mudou bastante, não é mesmo?

Além disso, temos também acontecimentos com um impacto enorme ou um evento tão raro que pode parecer irreal. São os cisnes negros de Nassim Taleb. Esses acontecimentos fazem com que hábitos e padrões de vida sofram uma mudança radical num curto espaço de tempo.

Um exemplo disso é a pandemia de COVID-19 que estamos vivendo. Quem poderia imaginar tudo isso que estamos vivendo em 2020?

Por conta dessas incertezas constantes, Bauman diz que a vida líquida é uma sucessão de reinícios, não podendo ficar estagnada. As opções disponíveis são de modernizar ou perecer.

2. Vida de consumo e indústria do lixo

A necessidade de sempre estar se “reciclando” traz o conceito de destruição criativa, uma forma de construção de vida que acaba destruindo outros modos de vida e, por consequência, os seres humanos que os praticam.

As pessoas que possuem a maior chance de vitória são aquelas que estão no topo da pirâmide do poder global. Isso enfatiza que a vida líquida é uma vida de consumo, moldando o julgamento e a avaliação seguindo padrões dos objetos de consumo.

Esses objetos tornam-se descartáveis e possuem uma vida útil, tornando-se lixos após o tempo estipulado pelos produtores, fortalecendo uma das indústrias mais sólidas e imune a crises: a indústria do lixo.

Para entender a dimensão e a força dessa indústria, houve uma pesquisa que diz que um habitante de uma cidade norte-americana usa para seu sustento cerca de 4,5 hectares de terra para depositar seu lixo, enquanto um indiano precisa de apenas 0,4 hectares.

Bauman vai mais a fundo e diz que não só a relação com objetos de consumo é descartável, mas também outros tipos de relações. Dentre suas analogias, ele relata uma sobre fama, onde alguém pode se tornar famoso(a) do dia para a noite e essa fama acabar da mesma forma, caindo em total esquecimento.

3. Identidade é um privilégio para pouco$

Originalmente, o termo “indivíduo” implicava um atributo de singularidade.

Com a globalização e os padrões de vida convergirem para um ponto em comum, o consumismo tornou-se uma ferramenta de conservar sua identidade e seguir os padrões impostos pela sociedade. Algo um tanto quanto contraditório.

A busca pela identidade tornou-se constante. Bauman faz uma analogia ao ciclismo:

“A liberdade das pessoas em busca da identidade é parecida com a de um ciclista; a penalidade por parar de pedalar é cair; deve-se continuar pedalando para se manter de pé […]”

Ou seja, a identidade é diretamente proporcional ao poder aquisitivo e as empresas sabem muito bem disso. Os investimentos em marketing tem como um dos — senão o principal — pilares tornar os consumidores “viciados” na marca, tornando-os fiéis e aumentando seu capital.

Ganha o jogo quem está mais atualizado(a) ou quem tem itens mais exclusivos — isso explica os preços inflacionados de peças de edições limitadas.

4. Vivemos a cultura da futilidade

A ideia de cultura foi batizada dentro de um quartel no século XVIII, seu objetivo era de designar a administração do pensamento e do comportamento humano. De forma resumida, era de manter todos na mesma página, com visões e objetivos em comum.

A cultura entretanto, é algo orgânico e que reflete a intenção de um líder.

A cultura líquido-moderna é marcada pelo desengajamento, pela descontinuidade e pelo esquecimento, é uma cultura da futilidade, onde tudo que nos rodeia, inclusive os pensamentos e os ideais, é efêmero.

5. Somos moldados desde cedo a sermos consumistas

A sociedade de consumos é uma sociedade de excesso e fartura, logo, da redundância e do lixo farto. Esse excesso nos traz incertezas das nossas escolhas, aumentando a ansiedade e, consequentemente, frustrações.

A mesma lógica vale para o corpo de consumo, ou seja, a busca constante pelo “corpo perfeito”. Essa procura incessável é um terreno fértil para os mais variados, irritantes e dilacerantes traumas psicológicos.

Como consequência disso, o ser humano tende a estimular o cérebro com sensações boas, mas momentâneas e que pode vir a culminar na própria ruína. Esses são os vícios, que podem ser dos mais variados tipos: drogas, açúcar, consumismo, álcool, etc.

Entretanto, o pior disso tudo é descobrir que somos moldados desde crianças a sermos consumistas e preservar uma sociedade de consumidores. A educação que somos impostos é aquela voltada à obediência e conformismo (herdada pelos militares) e à resistência diante de uma rotina monótona e enfadonha (herdada pelos operários). Em contrapartida, a fantasia, a paixão, a criatividade e o espírito de rebeldia são condenados.

Em paralelo a isso, as empresas viram um potencial enorme em faturar em cima das crianças, transformando-as em compradores/consumidores compulsivos e viciados, e assim a roda do consumismo continua a girar.

6. Educação é a chave para a liberdade

No capítulo 6 do livro, Bauman diz que a educação é a chave para se emancipar desse ciclo vicioso do capitalismo, ele retrata o capítulo como “Aprendendo a andar em areia movediça”, uma analogia que reflete a dificuldade e o cuidado de progredir em um terreno tão instável e inseguro.

A educação de hoje é linear e não acompanha o crescimento exponencial do mercado. Ou seja, a escola e a faculdade não são suficientes para nos preparar de forma adequada para o mercado de trabalho. É ela a chave principal para a inclusão social, sem a educação estamos fadados a viver na ignorância pelo resto de nossas vidas.

O preço da nossa ignorância é a nossa liberdade.

Além disso, o conhecimento é algo que devemos praticar constantemente durante toda a nossa vida. Precisamos dele ainda mais para preservar as condições que tornam as nossas escolhas possíveis e as colocam em nosso alcance.

Considerações finais

Embora ter um conteúdo excelente, não achei uma leitura tão fluida. O livro possui muitas analogias que deixam o livro um pouco denso.

No geral, para mim, não foram conceitos diferentes do que eu vejo diariamente e nos noticiários, mas Bauman explica de uma forma mais técnica e filosófica o modus operandi da sociedade em que vivemos. Isso me fez refletir mais profundamente e afirmar algumas atitudes e comportamentos no meu dia-a-dia.

Esse é um livro que pode te oferecer uma visão mais analítica no comportamento humano, bem como te proteger de alguns males do capitalismo. Afinal, Bauman diz que a educação é a chave para sua liberdade.

Gostaria de saber sua opinião sobre o livro ou sobre meu artigo. Elogios e críticas construtivas serão super bem-vindos! :)

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Gabriel Mesquita
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Written by Gabriel Mesquita

Product designer, engenheiro e faixa preta de judô. Escrevo para aprender e compartilhar conhecimento. https://gabrielmesquita.framer.website/

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